Carta de uma leitora: a pornografia marcou minha infância

Fevereiro 28, 2016 at 7:54 pm

Um alerta seríssímo para todos os pais. A experiência de uma leitora que teve sua infância arruinada pela exposição à pornografia na infância. Obs:  Este texto foi escrito de forma anônima por uma leitora que quis compartilhar sua experiência para proteger outras crianças desse fantasma que a assombrou por anos. Alguns dados foram alterados para proteger a identidade dos envolvidos. 

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Olhando do lado de fora, minha infância não foi nada diferente de uma menininha que cresce em um bairro familiar de alguma cidade grande do Brasil. Eu, meu irmão e irmãs adorávamos brincar  na rua, andar de carrinho de rolimã e brincar de esconde-esconde. Eu e meus irmãos passávamos o dia na rua brincando com os vizinhos e de vez em quando minha mãe saía pra ver o que estávamos fazendo. Brincávamos e brigávamos muito, tudo normal entre irmãos.

Olhando de fora, tudo que os outros podiam ver era uma casa, uma vizinhança, um bairro barulhento com crianças que gostavam de correr e brincar e arrumar confusão com uma vizinha já de idade avançada.

Mas o que ninguém sabia é que essas crianças escondiam um segredo. Um segredo que virou um fantasma em minha vida por muitos e muitos anos….

Era pra ser apenas mais um dia de brincadeiras entre crianças. Como de costume, andávamos de casa em casa na vizinhança, brincando com um e com outro. Um dia, uma mãe nos alimentava pão com mortadela e um copo de Tang. A outra mãe com um pedaço de nega maluca e assim a criançada da vizinhança passava o dia. Naquele dia não foi diferente. Toda a criançada corria pela vizinhança quando um dos amiguinhos (não lembro seu nome nem sua cara) nos chamou pra brincar lá em sua casa. E lá se foi o bando completo! Eu, meus irmãos e irmãs e várias outras crianças. Chegando lá, fomos brincar numa sala e assitir um pouco de desenho. Mas não sabíamos que teríamos  um encontro que iria mudar nossa vida: o encontro com a pornografia.

Os pais daquela criança ou algum irmão mais velho, não sei ao certo, tinha  esquecido material pornográfico ali naquela casa. E lá estávamos nós, 7, 8 talvez 9 crianças com olhos arregalados vendo algo que transformaria nossos dias. Assim que fomos expostos àquele material, a curiosidade natural de crianças de cinco, seis, sete anos nos fez não apenas ver uma vez e esquecer, mas passamos a repetir, copiar aquilo que vimos nas dezenas de materiais. Toda a inocência de várias crianças foi roubada naquele exato momento.

Sabe qual é a marca mais triste da pornografia, do abuso, da criança ser tocada ou estimulada indevidamente? Não existe caminho de volta. A partir do momento em que a inocência é perdida, a partir do momento em que o corpo experimenta os estímulos sexuais, aquela experiência ficará marcada, e um sentimento de confusão passará a dominar a vida da criança: por um lado, a vergonha, a culpa, a sensação de que isto não é certo. A culpa e a vergonha são ainda maiores porque na maioria das vezes, o corpo reage ao estímulo do toque com uma sensação boa, de prazer. Já adulta, pesquisando sobre o assunto, descobri que uma das maiores dificuldades de crianças que foram abusadas ou até adultos que foram estuprados é lidar com o fato de que, apesar de serem vítimas e odiarem o que aconteceu com eles, no momento do ato de alguma forma eles se sentiram estimulados, e isto traz condenação e vergonha.

Desde aquele fatídico dia, a vida das crianças naquele vizinhança mudou muito…

Pra quem olhava de fora as coisas pareciam as mesmas e até aonde eu sei, nunca nenhum dos adultos ou pais souberam do que estava acontecendo. Continuávamos brincando na rua, de carrinho de rolimã e de amarelinha. Falávamos e agíamos como criança e contiunavámos a arranjar problema com a vizinha idosa por causa do barulho ou de alguma bola que caia no quintal dela. Mas tínhamos um segredo: a cada brincadeira de esconde esconde, a cada encontro entre as famílias, buscávamos uma oportunidade pra estarmos sozinhos e repetir aquilo que tinhamos visto. Muitas e muitas vezes, enquanto os adultos conversavam e faziam uma galinhada, estávamos escondidos em um quarto embaixo da cama mostrando nossas partes íntimas, tocando um o outro. E depois voltávamos a correr e brincar normalmente. Essa situação se repetiu por anos e anos, até chegarmos a pré- adolescência. Lembro-me de que depois que cresci e realmente entendi o que estava fazendo, chorava e jurava pra mim mesma que nunca mais iria acontecer, até que acontecia de novo. Finalmente, depois de anos nos mudamos para uma outra vizinhança, e aquelas “brincadeiras “ acabaram mas o tormento continuou a me perseguir. Foram anos e anos de luta, de condenação, de me sentir suja, de achar que teria que morrer com o peso deste segredo.

Minha família nunca foi muito religiosa e não participávamos de nenhuma igreja. Mas lembrava-me das poucas aulas de catequese da qual tinha participado, dos pecados capitais, e acreditava que nunca ninguém me aceitaria sabendo do meu segredo. Minha tormenta era tão grande que fui várias vezes na igreja católica perto da minha casa me confessar com o padre decidida a contar para ele o que havia acontecido. Chegando lá, no entanto, a vergonha era tanto que não tinha coragem. Um dia, peguei um ônibus e fui até uma igreja bem longe da minha casa. Pensei que ali teria coragem de contar para o padre o que havia acontecido, pois ninguém me conhecia. Novamente a vergonha não deixou.

Foram anos de dúvida, de culpa, de dor, de marcas profundas. Mas o mais triste de tudo quando se envolve crianças, pornografia e abuso é o silêncio, a solidão, as trevas. O segredo tem poder de tornar tudo mais sombrio e vergonhoso. Pros que olhavam de fora, parecia uma jovem normal, estudando, trabalhando, rindo e se divertindo com os amigos no fim de semana. Por dentro, um segredo que me perseguiria por anos.

Anos se passaram de angústia até que conheci uma amiga que me convidou pra participar de um pequeno grupo que se reunia em sua casa pra estudar a Bíblia. Falávamos sobre diversos assuntos e depois de meses frequentando aquela reunião, uma delas contou que havia passado por algo muito similar ao que passei. Ainda assim, a vergonha e culpa eram muito grandes. Passaram-se mais alguns meses até que tive a coragem de contar pra esta amiga o que havia acontecido, como me sentia culpada e envergonhada. Choramos, oramos e nos abraçamos juntas. E naquele momento aquele segredo tinha perdido o poder de me atormentar.

Meu maior medo, de que um homem nunca iria me aceitar sabendo do que havia aconteceu, provou-se apenas mais um fantasma. Casei com um homem carinhoso, compreensivo e que não se espantou quando contei a ele o que havia acontecido. Temos nossos filhos e filhas e espero que eles nunca precisem passar pelo que passei.  Por isso, como pais, precisamos estar atentos. Se há 20 e poucos anos atrás a pornografia trouxe um estrago tão grande pra minha vida, me preocupo muito mais agora. Naquela época, revistas masculinas e fitas de videocassete precisavam ser compradas em bancas. Hoje em dia, a pornografia está ao acesso de crianças e jovens, dentro na nossa casa, no clique de um dedo. A tecnologia propagou de maneira quase que incontrolável os sites de chat, as redes sociais, os videos e sites pornográficos. E nós pais, na inocência ou comodidade, temos deixado nossos filhos de 8, 9 , 10 anos com um celular com internet dentro de um quarto, sem o mínimo controle do que eles estão acessando. Temos permitido que 4 ou 5 rapazinhos se reunam num quarto pra jogar, cada um com o seu ipad e ali fiquem por horas enquanto conversamos na sala ou preparamos algo na cozinha. Mas basta que um destes meninos tenha visto algo indevido para que apresente a pornografia a todas as outras crianças e aquilo ali se alastre como um vírus, roubando a infância e inocência daquelas crianças. Por causa do que passei e da minha experiência, consigo identificar facilmente quando crianças estão fazendo o mesmo que eu. E deixe-me te dizer que não é nada incomum. Já vi crianças escondidas embaixo da cama, brincando no banheiro com portas trancadas ou embaixo de uma mesa. Precisamos conversar sobre isto. Precisamos estar atentos aos nossos filhos e com quem andam. Precisamos ter extremo cuidado com a internet, com a tecnologia e com os predadores online. Essas coisas deixam marcas de vergonha, de culpa e de confusão que levam anos pra ser curadas.

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Alguns dados:

Pesquisas apontam que 38% das meninas foram abusadas antes de completar 18 anos.

Para os meninos, o número é de 16%. Ou seja, se você tem 100 amigas mulheres, em média 38 delas foram abusadas na infância. Estes números, embora alarmantes, não incluem casos de crianças apresentadas a pornografia, como no da leitora. Se considerarmos todos os casos de iniciação precoce da vida sexual, certamente os números serão muito maiores.

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