Temos privado nossas crianças de algo fundamental e as consequências não tem sido boas.
Eu e minha família fomos fazer um cruzeiro e um dos pontos altos era o jantar formal servido no navio todas as noites. Ali podíamos experimentar comidas exóticas de várias partes do mundo e conversar com garçons de vários continentes diferentes ( o que foi uma das coisas mais legais para os meus filhos).
O cardápio dos adultos trazia pratos simples, como carnes grelhadas ou diferentes pastas, e também extravagantes, como carne de jacaré ou de coelho. Diariamente, o garçom trazia para meus meninos o “kids menu” ou cardápio infantil, com cachorro quente, batata frita e nuggets. Toda noite, o garçom que vinha nos atender ficava um pouco surpreso quando dizíamos a ele que as crianças iriam ordenar do cardápio normal, dos adultos. Notei que muitas crianças do cruzeiro nunca participaram deste jantar formal. Elas ficavam no clube para crianças que o navio oferece. Ali você pode deixar seus filhos com as “tias” enquanto curte um momento para relaxar e descansar. Acabamos não usando este clube porque os avós das crianças estavam juntos conosco e queriam curtir cada minuto com as crianças mas achei legal a ideia de ter algumas horinhas livres com meu marido. O que me surpreendeu um pouco, é que o clube das crianças ficava aberto o dia todo, tanto quando o navio estava em alto mar como quando estava ancorado nas ilhas. Muitas crianças ficam ali todos os dias do cruzeiro e nem chegam a descer do navio para ver as belas praias ou conhecer países e culturas diferentes.
Algum tempo atrás, li um livro* que me impactou grandemente e mudou totalmente a forma como vejo a criação de filhos e educação das crianças. O livro de dois doutores em psicologia e psiquiatria, destaca que o maior erro que temos cometido com nossas crianças é segregá-las, separá-las dos adultos e da vida em comunidade. De acordo com os estudiosos, crianças precisam e devem conviver com adultos para, primeiramente, se sentir seguros; também para aprender a se relacionar e lidar com as emoções; e para descobrir o mundo ao seu redor. Segundo os autores, criou-se um mito de que criança precisa estar com criança e como resultado vemos crianças passando cada vez mais tempo segregadas com crianças da mesma faixa etária. Como consequência, a experiência tão importante de troca entre diferentes faixas etárias deixou de existir. Segundo os psicólogos, estamos criando adultos inseguros, dependentes de aprovação continua e imaturos emocionalmente porque estamos ocupados demais e os segregamos.
Claro que toda criança ama brincar com criança, correr na rua e se divertir. Mas a interação com adultos é tão importante quanto ou até mais. Que adolescentes e jovens esperamos ter se durante a infância estamos confinando nossos filhos com outras crianças dentro de uma sala e limitando as experiências deles a cachorro quente, pizza de queijo ou pepperoni e video games? Por que a maioria das crianças não gosta da escola se elas amam aprender, conhecer o mundo lá fora?
Por que não expô-las a experiências interessantes, como provar diferentes tipos de comidas, ver lugares diferentes e se maravilhar com o mundo lá fora? Por que não permitir que eles conversem com o avô e ouçam sobre como as coisas eram antigamente, que eles perguntem ao garçom que está servindo a sua mesa da onde ele veio, que língua eles falam em seu país e se ele não sente falta da sua casa? Não tem nada de errado deixar as criança algumas horas no clube do navio ou na escola ou na creche, mas não podemos limitar a vida de uma criança à convivência com crianças da mesma faixa etária dentro da escola ou do clubinho do navio ou da salinha da igreja. E a infância é tempo de preparação para a vida adulta. Se eu e você não queremos viver em um mundo em que nossos jovens só se interessam por videogame e fast food, num mundo em que eles não têm o mínimo interesse em ouvir as experiências de outros que pensam e vivem diferente deles mesmos, precisamos começar agora.
Segundo o historiador Howard Chudacoff esta segregação é algo recente, pois até o século 19, as grandes famílias trabalhavam, aprendiam e passavam muito tempo juntos.
Uma pesquisa realizada aqui nos EUA mostrou que o custo desta segregação é bem alto pois a crianças aprendem tanto com a interação com as diferentes gerações.
Um estudo conduzido pelos antropologistas Beatrice e John Whiting estudou a questão da segregação por idade em seis culturas diferentes. O estudo mostrou que crianças mais velhas que passam tempo com crianças pequenas tendem a ser acolhedoras, enquanto que os pequeninos que convivem com grupos diferentes de idade aprenderam lições importantes de como ser parte de um grupo.
A pesquisa revelou que crianças que passavam a maior parte do dia apenas com crianças da mesma idade, eram extremamente competitivas, ao oposto daquelas que interagiram com diferentes grupos.
A psicóloga Barbara Rogoff alerta: “Nós temos muito o que aprender com pessoas que estão em um estágio diferente da vida do que o nosso”. Ela, que é psicóloga da Universidade da Califórnia e tem estudado o assunto por anos, diz estar especialmente preocupada com a vida das crianças na América. “Pessoas pensam que crianças precisam ter uma vida completamente diferente e separada de adultos, mas isto não é verdade e não é a melhor maneira para as crianças crescerem e amadurecerem. Nós temos excluído as crianças da vida em comunidade ao ponto deles sentirem que não tem nada para oferecer. “
*Livro “Pais Ocupados, Filhos Distantes”, De Gordon Neufeld e Gabor MAte
Dados do seguinte artigo publicado pelo Boston Globe
https://www.bostonglobe.com/ideas/2014/08/30/what-age-segregation-does-america/o568E8xoAQ7VG6F4grjLxH/story.html
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