Como reagir quando vivemos experiências que nos transformam

Março 10, 2016 at 5:39 pm

Antes do meu primeiro filho nascer, trabalhei por alguns anos em uma clínica pediátrica aqui em Atlanta. Lembro me de uma colega de trabalho que assim como eu ainda não tinha filhos e sempre comentava comigo sobre algumas mães que vinham pra primeira consulta, a consulta de recém-nascido, que acontece entre 4 a 10 dias depois do nascimento do bebê, e como algumas delas tinham a aparência não tão agradável, com cabelo sujo, olheras e a barriga inchada como se ainda tivessem grávidas.

Bem, um belo dia chegou minha vez de ir na consulta de recém nascido nesta mesma clínica onde trabalhava, mas agora como paciente com meu primeiro filho. Fazia três dias que ele tinha nascido mas como nasceu um pouco amarelinho, já precisava ir ao pediatra logo no dia seguinte que saímos do hospital. Eu me sentia terrível, após um parto super difícil e muito longo no qual meu filho acabou nascendo com a ajuda do forceps. Tudo em mim doía, meus seios estavam inchados e doloridos, tinha cólicas  horrendas quando amamentava e pra piorar um pequeno pedaço da placenta tinha ficado retido no meu útero, por isso tive que passar por um pequeno procedimento de limpeza e tomar antibióticos. Quando amanheceu e começamos a nos arrumar pra consulta, lembrava da minha amiga que dizia que “nem pensar em ter que usar roupas de grávidas depois do bebê nascer e sair por aí com esta cara horrível como se ter um filho fosse coisa do outro mundo”. Enquanto meu marido arrumava o bebê, literalmente derrubei meu guarda-roupa tentando entrar dentro de um jeans e uma blusinha que me fizessem parecer uma daquelas  mães “bem-sucedidas” que tem tudo debaixo do controle. Lágrimas de frustração começaram a correr do meu rosto, junto com cansaço, dor e ansiedade de um mundo totalmente novo à minha frente, quando percebi que minha única opção era recorrer as calças leggs ou vestidos soltos de grávida que minha amiga sempre criticava. E a ficha caiu: “não, eu não era uma daquelas mães “bem-resolvidas e bem-sucedidas” que vão à consulta de recém-nascido com maquiagem, cabelo escovado, jeans e blusinha, falando no celular, com tudo debaixo do controle. A verdade é que ainda nem entendia tudo que tinha acontecido comigo, tudo que eu queria era dormir por uns 2 dias pra poder me recuperar do parto, mas tinha que acordar a cada duas horas pra dar de mamar. O corpo inteiro doía e estava tão ocupada cuidando de um bebê que mamava e fazia cocô o tempo todo que nem tinha tido ainda tempo de perguntar à mim mesma como me sentia com o título de mamãe.

Olhando pra trás, dou muita risada de perceber quão ingênua eu era, não só por acreditar que meu corpo  deveria estar igualzinho a antes de engravidar logo que o bebê saísse mas também por não perceber que a maternidade, que gerar um filho, deixa uma marca profunda, transforma sim nosso mundo e tudo o que a gente entendia da vida até agora passa a ser questionado e revisto.

Este episódio engraçado com minha amiga e minha falsa expectativa com relação a mim mesma me ensinou algo muito interessante, não só com relação à maternidade mas com relação a tudo na vida: nós não queremos que as pessoas ao nosso redor mudem. E não estou falando só da mudança no corpo que gerar um filho causa. Estou falando da nossa impaciência e até crueldade de não permitir e respeitar que as pessoas ao nosso redor passem por experiências que as transformam. Que as pessoas ao nosso redor precisam de tempo, de espaço, da nossa presença sem julgamento pra refletir, digerir e se reencontrar em certos momentos da vida, sejam eles momentos lindos, como  a chegada de uma criança ou ver seu filho saindo de casa pra se casar e construir sua própria família, ou momentos de dificuldades e dor. Estou falando da mulher que é abandonada pelo marido e que ouve das pessoas o tempo todo “você tem que se valorizar e superar, não fica perdendo tempo sofrendo por quem não merece não”. Estou falando da mulher que fica viúva e que recebe o maior apoio nos primeiros dias e semanas mas que depois todo mundo volta à vida normal e já não queremos ouví-la falar do seu marido ou da falta que ele lhe faz, porque talvez ouvir tudo isso nos remete à nossa própria fragilidade.

Às vezes me questiono quando foi que a nossa sociedade se tornou tão rápida e exigente com os que estão à nossa volta. Quando foi que as dificuldades, fraquezas, dores, mudanças, questionamentos dos outros começaram a nos incomodar. Não estou aqui dizendo que devemos viver uma vida de auto-piedade, de dizer pras pessoas que estão passando por uma fase difícil ou por algo novo “ah, coitadinha de você, eu tenho pena de você”. De forma alguma. A reflexão que quero fazer é se temos respeitado as pessoas, as experiências pelas quais elas estão passando e como isso as tem afetado. Se estamos dando tempo pras pessoas sofrerem, passarem pelo processo de luto, de chorar, de se descobrir depois de uma experiência marcante. Se temos entendido que nem todos reagem igual numa determinada circunstância e que o maior presente que podemos dar a alguém é respeitar os limites, o ritmo e o tempo de cada pessoa. Se temos dado espaço para que Deus seja Deus na vida das pessoas, ou se as temos constrangido com nossos achismos de como eles deveriam agir ou reagir. 

O nascimento do meu filho foi uma experiência transformadora pra mim, que deixou marcas intensas. Foi a experiência mais linda da minha vida, mas mesmo sendo linda, trouxe sim mudanças que levaram tempo pra ser digeridas e assimiladas por mim. No primeiro  ano passei por uma fase de adaptação a esta nova vida. Nesta jornada, encontrei pessoas que me encorajaram, que respeitaram o fato de eu ainda estar entendendo aquele momento que eu estava vivendo e que aceitaram as mudanças que estavam acontecendo em mim. Outras, por imaturidade talvez, me pressionavam a ser a mesma pessoa que antes, manter os mesmos compromissos que antes e que me cobravam quando percebiam que aquela mulher independente, segura e ocupada ainda estava perdida com esta coisa de ser mãe.

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A liberdade que encontrei em algumas pessoas, inclusive meu marido, de me redescobrir, foi certamente o melhor presente que poderia ter recebido. Porque umas das maiores ilusões que temos é achar que vamos passar por esta vida sem mudar. Que as experiências, que o envelhecimento, que a dor e a alegria não vão mudar nosso corpo, nossa alma, a forma como nos relacionamos com o mundo. Hoje, mais de sete anos depois que meu primeiro filho nasceu, vejo tantos frutos lindos que nasceram na minha vida porque me permiti viver a experiência de ser moldada, de ser transformada, e de abraçar esta nova estação na minha vida. 

Hoje, quando vou visitar uma mãe de primeira viagem e seu pequeno bebê, meu desejo é de dizer pra ela que está tudo bem se ela se sentir perdida por alguns dias ou meses; que está bem se ela sentir vontade de chorar as vezes porque tudo é tão novo e cansativo e no momento seguinte se sentir a mulher mais realizada do mundo inteiro; que não tem problema se o plano de parto ou de alimentação não saiu exatamente como ela queria e que isto não vai acabar com o futuro do seu filho. Que o casamento vai mudar sim no começo e que talvez por alguns meses o programa mais romântico e esperado por ela e o marido vai ser uma noite de sono inteirinha. Que ser mãe realmente é a melhor coisa do mundo mas que isso não impede a gente de se sentir cansada e frustrada. E que ela se dê a permissão de navegar por todas estas fase sendo generosa, paciente e misericordiosa consigo mesma e com os que estão a volta.

Certamente esta não foi a primeira e nem será a última vez que passarei por este processo de mudança, de transformação. Assim como encontrei graça e amabilidade em tantas pessoas quero também ser a pessoa que oferece graça, paciência e liberdade aos que estão à minha volta. Creio que uma das coisas mais tristes para uma pessoa é viver presa às expectativas que os outros tem com relação a ela. Na contramão, o maior presente que podemos dar aos que amamos é espaço e tempo para que Deus trabalhe na vida deles. O respeito pelas experiências que eles tem vivido, a forma como os tem afetado e as decisões que eles tomam diante destas experiências.

 

“Consideremos dar um passo pra trás e permitir que as pessoas que amamos façam as coisas do seu próprio jeito, no seu ritmo, no seu próprio instinto. Vamos dar um passo pra trás e permitir que as pessoas sejam quem eles são. Talvez quando dermos espaço para que os que estão a nossa volta serem quem eles são e viverem suas próprias experiências, perceberemos que aquilo que nós queríamos transformar neles não precisa ser transformado. Talvez vamos perceber algo corajosos e belo que deve ser protegido e nutrido. Talvez tudo isso vai levá-los ao tão esperado momento em que eles vão brilhar como seus talentos e dons e descobertas.” Rachel Maccy Stafford
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